A luta do luto
O luto. Quantas memórias de perda nos surgem, tão facilmente, na presença desta palavra. É, no entanto, uma palavra que podia conter em si mesma infinitos significados. O luto aparece em nós como que uma impressão digital de perda que é altamente pessoal e íntima a quem a vive.
O luto é o que fica no espaço daquilo que partiu. É o percurso de descoberta de todos estes novos vazios que nascem para preencher a ausência.
Mas que vazios são estes? Segundo Katherine Shear (2012), os nossos entes queridos existem na nossa memória a longo-prazo, mas também em tantas outras redes mnésicas como memória episódica, semântica e implícita. Traduzido em miúdos, significa isto que as nossas ligações estão mapeadas nas nossas aprendizagens, no significado e regras que nos permitem sentir o mundo e até o modo como fisicamente nos relacionamos com ele — o que fazemos e como fazemos. É nestas ligações que encontramos a segurança e proteção necessárias à nossa integridade psicológica.
Nos vazios do luto estão todas estas nossas vivências que, no momento da perda, sofrem uma necessidade de reestruturação por parte da sua fundação essencial se ter desmoronado.
Primeiramente, negamos este abalo. Zangamo-nos com este novo mundo. Negociamos as condições da inevitabilidade. Deprimimos pelo confronto com a realidade. Até que aceitamos. E nós, humanos como somos, damos voltas entre esta luta, retornando várias vezes a algumas das fases, sabendo que nos falta curar mais um pouco, até nos conciliarmos com o nosso luto.
E onde está o resto da nossa vida, durante este doloroso momento? O que acontece aos nossos empregos, e como é que estes recebem esta nossa missão?
A resposta depende do tipo de luto e, também, da empatia que a sociedade lhe confere.
Perder um irmão não é, para a sociedade, o mesmo que perder uma tia. Vamos mais longe. Perder uma relação com um animal, não é, para a sociedade, tão dolorosa como é perder uma relação humana. No entanto, não será verdade que, no caminho de regresso a casa, somos inundados por um sentimento de bem-estar por voltarmos para o carinho do nosso animal de estimação? E que, até nos primeiros momentos da nossa relação com um novo amigo patudo, sentimos uma empatia particular a formar-se entre nós?
A verdade é que, entre concórdia e discórdia, a ligação humano-animal é real e cumpre um papel essencial de proteção e segurança.
A ciência também acena firmemente a favor desta ideia, argumentando que as respostas de luto dos humanos para com os seus companheiros animais, em momentos de perda, é indiferenciável das respostas de luto das relações entre humanos. E, tal como entre pessoas, esta vivência de perda é intensificada com a maior proximidade na relação.
Agora, falemos da derradeira questão final.
Como é que, no meio de sólidas rotinas, objetivos a contra-relógio, posturas empresariais e contas para pagar, vamos encontrar lugar para estes vazios terem o espaço que precisam?
O esmagamento do espaço para o luto tem custos elevados.
A dormência emocional é o custo da supressão de emoções dolorosas, a irritabilidade é o duplo da tristeza quando esta não entra em cena, e a doença mental é o grito final que luta por reivindicar o direito ao luto.
Porém, a pessoa não o paga sozinha. A empresa que não viva uma cultura de empatia pelo luto saudável pagará, também, a fatura por decisões pobremente ponderadas, por colaboradores fatigados e produtividade negligenciada. A criação do espaço para o luto nas empresas passa por haver empatia através de uma boa comunicação, por flexibilidade nos horários de trabalho e uma liderança que valide a vulnerabilidade.
Neste momento de perda, seja de uma pessoa, de um animal, ou de algo que tanto nos estrutura psicologicamente que haja espaço para estes vazios crescerem e se fazerem ver. Que as empresas elevem a sua honra e sejam aliadas da saúde mental. reivindicando a vulnerabilidade emocional, tornando-se espaços protegidos e seguros, tais como os que perdemos eram para nós.