Todos nós conseguimos identificar momentos em que entramos em piloto automático e “ficamos a pensar na vida” ou ficamos “perdidos em pensamentos” — seja a ir de carro para casa, seja a tomar banho, seja numa pausa do trabalho, seja a tentar descansar.
A nossa mente conta-nos histórias e nós vamos divagando sobre elas.
Pensamos constantemente sobre aquilo que não está a acontecer no momento e pensamos sobretudo acerca de… (adivinhem) nós próprios!
Sobre aquilo que os outros acham de nós, sobre o que gostávamos de vir a ser, sobre os problemas que temos por resolver, sobre situações que gostávamos de vir a viver. Recordamos momentos que vivemos e reestruturamo-los à nossa maneira ou antecipamos momentos futuros. Seja como for, para a nossa mente, nós somos mesmo o centro do universo.
Para dar um exemplo, acontece mais ou menos desta forma:
“Hoje saí-me bem… disse o que queria dizer na reunião… Ah é verdade, não me posso esquecer de ligar ao Miguel ele ligou-me já há 1 semana. E depois já sei que ele começa a dizer que sou um desleixado. E ele se calhar até tem razão. Será que toda a gente acha isso de mim, mas não me diz? Sei lá… acho que não ando a dar a atenção necessária às pessoas. Vou começar a falar mais! É isso. Amanhã aproveito e ligo também ao Diogo e à Ana. Sim, vou fazer isso. Ai quem me dera ter mais tempo… Pois também é isso, estou sempre a trabalhar. E por falar em trabalho… mal chegar a casa não me posso esquecer de enviar aquele email.”
A mente divaga cerca de 47% do nosso tempo acordado. E quando o faz, está a ativar- se a Default Mode Network (DMN), a chamada “Rede por defeito”.
Ou seja, se a nossa mente não tiver nada em especial para prestar atenção, é este conjunto de áreas cerebrais que se ativa, uma vez que a mente precisa de estar constantemente “entretida”!
O cérebro não pretende dar-nos tranquilidade
Importa dizer que a DMN está envolvida em processos criativos (permitindo-nos imaginar realidades paralelas), na tomada de decisão (através da formulação de soluções e antecipação de situações futuras) na recordação de memórias e em momentos de autorreflexão e introspeção.
No entanto, passarmos demasiado tempo nesta “ruminação” de ideias subjetivas sobre nós próprios, sobre a forma como os outros nos veem, e sobre o nosso passado e futuro, pode trazer também uma grande quantidade de sofrimento, podendo dar lugar a sintomatologia depressiva e ansiosa. E quanto mais tempo passamos emaranhados em pensamentos, mais automático tornamos este processo.
De facto, nós temos a capacidade de sofrer na ausência do estímulo que provoca sofrimento — antecipamos situações negativas (ex: uma reunião importante para a qual não me sinto preparado) e revivemos memórias difíceis (ex: quando me senti humilhado numa reunião passada) enquanto nos desconectamos totalmente do momento presente.
O nosso cérebro está “programado” para a sobrevivência e não para nos dar tranquilidade. O pensar através da linguagem é muitas vezes uma forma de procurar ameaças (e quão bom é o nosso cérebro a encontrar pistas negativas em detrimento de positivas!) e soluções para as mesmas. Precisamos de sentir controlo sobre as nossas vidas e a divagação da mente acaba por ter esse propósito — fazer-nos sentir que estamos a resolver o que há por resolver.
“The ability to think about what is not happening is a cognitive achievement that comes at an emotional cost”
Porque é que “sonhar acordado” nos deixa menos felizes?
Num estudo levado a cabo por Matthew Killingsworth e Daniel Gilbert, foi confirmado que a nossa mente tende a divagar em praticamente qualquer atividade do dia-a-dia (seja agradável ou não), existindo uma menor divagação nas relações sexuais. Perceberam que as pessoas se sentiam menos felizes quando a mente estava a divagar independentemente da atividade que estavam a fazer. Ou seja, a divagação da mente é um melhor preditor de felicidade do que a atividade em si.
Podemos então refletir: mais importante do que o que escolhemos fazer, é a forma como estamos a experienciar o momento. Estarmos conectados com o agora (independentemente do agora ser “bom” ou “mau”) traz-nos uma maior sensação de felicidade!
Experienciar em vez de racionalizar
Como podemos então estar mais presentes?
Sabemos que o mindfulness ajuda a reduzir a atividade da DMN (Scheibner, Bogler, Gleich, Haynes, & Bermpohl, 2017) uma vez que nos permite trazer a atenção para o agora, distanciando-nos do emaranhado de pensamentos habituais.
Podemos praticá-lo de várias formas: formal (através de meditações guiadas) ou informalmente (em atividades do dia-a-dia); e podemos trazer a atenção para estímulos internos (como a respiração e sensações físicas) ou para estímulos externos (sons ou pistas visuais).
Alguns exemplos de como nos podemos apoiar no mindfulness no dia-a-dia (e sair um pouco da ruminação habitual da nossa mente):
- Estar num almoço de família e apreciar as expressões faciais dos nossos familiares. Apreciar os sorrisos, as entoações, o ritmo com que falam. Notar os gestos que fazem com as mãos. Escutar ativamente o que estão a dizer.
- Estar a fazer uma tarefa tão rotineira como lavar a louça e notar a sensação da água entre as mãos. Notar o som da água e das louças a tocarem umas nas outras. Notar a postura — a posição do corpo, os pés a tocar no chão.
- Estar no carro e apreciar a música que está a dar na rádio. Notar o ritmo, os instrumentos, as variações na música. Notar os sentimentos que pode provocar.
O objetivo passa por tentarmos experienciar mais o mundo através dos sentidos e um bocadinho menos através de ideias.
E o processo é sempre o mesmo: sempre que a nossa mente se distrair (vai fazê-lo com certeza), podemos voltar a trazê-la ao presente.
Para isso precisamos de estar conscientes da divagação da mente no momento em que ocorre, de forma a termos a oportunidade de escolher voltar a experienciar o agora.
O mindfulness não cala a nossa mente (já que a sua natureza é a de contar histórias perpetuamente), mas ajuda-nos a não nos emaranhar nos pensamentos e histórias que ela nos conta. É um treino atencional que nos pode trazer tranquilidade emocional.