O perfecionismo é uma expressão usada com relativa facilidade e frequência. Quase como se indicasse uma característica desejável e até expectável de quem é “dedicado”. Ouvimos falar sobre perfecionismo em vários contextos, mas é no trabalho que ele ganha uma maior relevância.
A parte visível: o perfecionismo manifesta-se através de padrões altos de desempenho no trabalho (geralmente onde é mais prevalente), ou então noutras esferas de vida — uma preocupação excessiva com o corpo, com a saúde ou com a imagem; uma atenção exagerada aos detalhes e a regras; um foco exagerado nos resultados (por exemplo no desporto) ou uma pressão desmedida para aproveitar constantemente o tempo (o famoso fear of missing out).
São pessoas vistas, pelos outros, como extremamente competentes, dedicadas, enfim, bem-sucedidas! No entanto, por trás desta performance tão agradável aos que com elas convivem, esconde-se, a maior parte das vezes, um enorme medo de falhar e de não corresponder a todas estas expectativas. Uma necessidade de ter, constantemente, aprovação externa e reconhecimento. E quando as metas são atingidas, o prazer é volátil, rapidamente aparece a ambição de atingir a meta seguinte. Geralmente, os pensamentos ganham um caráter rígido (que é normalmente impercetível para o próprio) de tudo ou nada — “ou atinjo o sucesso, ou falhei redondamente”; “ou proponho-me a atingir o melhor resultado possível, ou prefiro nem tentar”.
Claro que o perfecionismo pode ter motivações variadas. Existem pessoas com um temperamento mais direcionado para resultados, com uma grande motivação de trabalhar e atingir metas elevadas, sem que isso tenha de significar uma autoestima fragilizada, apenas uma motivação interna que lhes é natural. Mas não é a realidade da maior parte dos casos. O perfecionismo, geralmente, funciona como uma “proteção” de um medo mais profundo. Podemos estar a falar do medo de perder a estabilidade financeira, por exemplo, que habitualmente está presente em pessoas que passaram por dificuldades neste âmbito. Aqui o “abrandar” passa a ser interpretado como uma ameaça de perder algo ou de se ficar estagnado. Pode estar presente a sensação de não se sair bem noutros contextos de vida (geralmente nas relações) e por isso lutar para “ser muito bom” no trabalho. Mas o mais comum, é quando o perfecionismo funciona como uma forma de compensar um sentimento profundo de não se ser suficiente ou até, de se sentir inferior.
E este sentimento de inferioridade é mantido, na maioria dos casos, por um importante fator — o discurso interno. A autocrítica, o rebaixar-se a si mesmo, a comparação constante aos outros. Este diálogo interno está repleto de “eu devia ter sido capaz de x”, “só faço asneiras”, “sou sempre a mesma coisa, que desilusão”, “o que é que os outros ficaram a achar?”, “eu já devia saber que não são tão inteligente como y”, “nem sei para que tento”. Uma provável explicação para este discurso tão negativo poderá ser um pai, mãe, familiar ou pessoa importante que era exigente, crítica ou que valorizava em demasia as opiniões dos outros, notas ou resultados. É o aprender, desde cedo, que o amor (ou simplesmente o apreço dos outros) é condicional — que iremos ser gostados se atingirmos os resultados que são esperados.
E todos temos alguma responsabilidade nisto — como pais, como professores, como colegas de trabalho, como líderes, como amigos. “Não desistas!”, “sê forte, não podes pensar assim”, “não chores”, “tens de conseguir, pensamento positivo!” — são frases ditas com as melhores das intenções, mas podem, sem querer, reforçar estas ideias já tão internalizadas.
O perfecionismo nas empresas
Se numa perspetiva mais superficial o perfecionismo nos parece ser um prognóstico para a produtividade, uma visão mais alargada, permite-nos observar, a longo prazo, exatamente o contrário: o perfecionismo está associado ao medo de falhar, procrastinação, desgaste e burnout.
É expectável que o constante sentimento de “não estou a ser suficiente”, acompanhado de ruminação e preocupação com o trabalho (tornando muito difícil “desligar” em horário não laboral), resulte em desgaste mental e emocional. A perfeição, sendo inatingível, leva a que a incessante procura pela excelência não seja um padrão sustentável durante muito tempo.
Não são raras as vezes, em que pessoas extremamente dedicadas ao trabalho, passados uns anos, começam a revelar sentimentos profundos de desvalorização (que são compreensíveis, uma vez que deram mais do que receberam), de um cansaço intenso, de falta de motivação para o que dantes as estimulava ou até de sentimentos negativos face ao local em que trabalham e às pessoas com quem trabalham. O limiar para que estes sentimentos surjam torna-se cada vez menor — é então sinal de que o limite foi atingido.
Embora se fale cada vez mais acerca do perfecionismo e da sua relação com o burnout, parece que tanto os líderes como os trabalhadores têm um certo receio em largar estes padrões elevados de exigência. Talvez por temerem o desleixo, a desmotivação, a falta de produtividade, o fracasso. Quando na verdade, a flexibilização do perfecionismo é um indicador de um maior equilíbrio de vida e de maiores níveis de bem-estar e motivação que se generalizam para todos os contextos, incluindo o trabalho.
Que soluções temos, então, para o perfecionismo?
Importa referir que os líderes e as organizações podem ter um papel preponderante na redução do perfecionismo. Deixo alguns pontos que poderão ser tidos em conta para um ambiente organizacional promotor de saúde mental (ajustado à realidade de cada empresa):
- Equacionar a possibilidade, dentro do que é viável para cada negócio, de os trabalhadores poderem escolher onde alocar as horas de trabalho. Ajuda a evitar o presentismo, uma vez que as pessoas terão tendência a escolher as horas em que são mais produtivas;
- Promover motivação interna nos trabalhadores, possibilitando um ambiente de trabalho favorável a cada um, direcionando as pessoas para as funções que lhes são mais naturais e que lhes despertam mais interesse, e facilitando relações sem intrigas ou falhas de comunicação. A pressão externa (controlo, prazos irrealistas, perguntas constantes) está associada a maiores níveis de desmotivação e burnout.
- Promover a confiança entre todos. Evitar comentários acerca de membros da organização, principalmente se estiverem ausentes. Dar primazia a uma comunicação direta e honesta.
- Dar feedback constante e falar diretamente com o trabalhador quando for necessário algum ajuste. Não só dá oportunidade para a pessoa se readaptar, como reduz os níveis de ruminação e preocupação uma vez que a comunicação é clara, não deixando grande espaço para falsas interpretações.
Apesar do perfecionismo, como tendência de personalidade, poder nunca desaparecer completamente, é possível flexibilizá-lo. E por isso deixo alguns pontos importantes direcionados a todos nós, a nível mais individual:
- Continuar a procurar atingir metas importantes, mas, intencionalmente, de forma menos perfeita. Isto significa aprendermos a considerar os erros como inevitáveis, normais e expectáveis e interpretá-los como um sinal de desenvolvimento e crescimento! Devemos relembrar-nos que estamos a dar o nosso melhor, com os recursos que temos e na fase de vida em que nos encontramos.
- Procurar criar motivação interna face às tarefas (e.g., dedicarmo-nos, quando possível, às funções que nos são mais estimulantes; analisar os “ganhos” que essas tarefas nos podem trazer — novas aprendizagens, desenvolvimento de competências,…). “Onde posso ancorar a minha motivação que não à aprovação externa? O que é que realmente importa para mim a longo prazo?”
- Aproveitar o processo — escolhermos, por vezes, fazer pelo simples prazer de fazer, largando o foco no resultado. Promover um equilíbrio entre procura de resultados e prazer.
- Procurar refletir se existem contextos de vida que podem estar a ser negligenciados (saúde, família, amigos, lazer). “O que é que é realmente importante na minha vida? As ações que implemento no meu dia-a-dia estão congruentes com o que eu mais valorizo?”
- Criar tempo livre sem nos culpabilizarmos. Procurar “perder tempo” com tarefas que não são produtivas ou contabilizáveis. Sair do modo “fazer” para entrar no modo de apenas “ser”.
- Largar a comparação e o fear of missing out como critério de avaliação se a vida está de facto a ser “bem vivida”. Temos tendência, em momentos mais difíceis, a comparar os nossos dias maus aos dias bons dos outros. Criamos um meio de comparação totalmente enviesado. Esta experiência — de sentir que não estamos a viver a vida como deve ser vivida, e que o outro está a viver uma vida melhor — é partilhada por todos nós;
- Não nos criticarmos (ou pelo menos o mínimo possível). Devemos analisar os erros e perceber se são suscetíveis de ser melhorados, no entanto, a crítica não tem qualquer utilidade;
- Relembrarmo-nos do óbvio: as pessoas vão criticar a julgar. Não tem de ser interpretado como uma falha nossa ou falha dos outros. Só nos relembra da diversidade de ideias e valores. Importa não reforçar essa crítica externa com autocrítica. Sê seletivo: tenta lembrar-te de quem são as opiniões que realmente importam para ti.
- Estratégias de gestão e planeamento do tempo podem ajudar a gerir a procrastinação, mas o que de facto se torna transformador, é enfrentar, gradualmente, o medo de falhar. A procrastinação não está relacionada com a preguiça ou não querer trabalhar. Relaciona-se com o evitar de emoções difíceis e de sentimentos de inadequação que surgem quando estamos a fazer determinadas tarefas.
- Ouvirmos o nosso corpo e emoções. É a melhor forma de nos apercebermos se estamos a desconsiderar os nossos limites e se precisamos de abrandar.
E por fim, a melhor “arma” para nos defendermos do perfecionismo: a autocompaixão. Ser compassivo com os próprios erros exige treino visto que não nos é totalmente natural. Para ajudar, experimenta pensar o que farias caso a pessoa de quem tu mais gostas tivesse cometido um erro semelhante ao teu — O que lhe dirias? Exige que ao invés de nos assoberbarmos de frustração e autocrítica, nos tratemos com consideração e compreensão “Toda a gente erra, amanhã é um novo dia e voltarei a tentar. Os erros não me põem em causa, muito menos me definem”.
“Perfectionism is not teaching them how to strive for excellence or be their best selves. Perfectionism is teaching them to value what other people think over what they think or how they feel. It’s teaching them to perform, please and prove”. Brene Brown