A nossa mente passa a maior parte do tempo a avaliar, a interpretar, a julgar e a tentar controlar o nosso mundo externo. Está constantemente preocupada em resolver problemas e a garantir que não vamos falhar. Para isso revive situações do passado e antecipa acontecimentos do futuro. Esta capacidade de nos abstrairmos, de divagarmos através dos nossos pensamentos, reflete grande parte do sofrimento humano. Além disso, porque somos humanos, todos, sem exceção, vamos invariavelmente falhar em algum momento da nossa vida. Vamos arrepender-nos de alguma coisa que dissemos ou fizemos, vamos cometer erros no nosso trabalho, vamos ter dificuldades em cumprir um plano de treino ou uma dieta alimentar. Essas falhas podem provocar-nos dor, porque representam muitas vezes a perda de algo importante para nós, mas a relação que estabelecemos com essa falha transforma a dor em sofrimento. Mas como é que podemos transformar essa relação? Como é que podemos tornar a nossa relação com a falha mais saudável?
Repara na relação que estás a construir contigo
Em primeiro lugar, precisamos de conhecer e ter consciência da relação que temos connosco.
E por isso, antes de continuares a ler este texto, gostava que fizesses este exercício: pensa num momento da tua vida em que te tenhas sentido profundamente envergonhado em resultado de uma falha.
Já pensaste? É bem provável que ao ler a frase tenhas sentido um desconforto imediato. Durante o tempo que dedicaste a este exercício o que disseste a ti próprio? Que palavras usaste? Que história a tua mente te contou sobre ti? E que sensações e emoções aparecem quando dás ouvidos a essas histórias?
De forma muito frequente, aquilo que acontece com este exercício é que reparamos na existência de uma voz autocrítica. A maioria de nós é extremamente dura consigo mesma quando falha.
“Não acredito que fiz aquela figura ridícula”. “Sou um fracasso”. “Nunca faço nada bem”.
E por que é que nos criticamos tanto?
A autocrítica como falsa motivadora
O ser humano tem um desejo profundo de pertencer e ser aceite nos vários contextos (social, profissional e familiar) em que está inserido. E muitas vezes, acreditamos que a autocrítica nos impede de falhar novamente e nos protege das críticas dos outros, garantindo assim que nos comportamos de forma a ser aprovados e reconhecidos. Neste sentido, a autocrítica parece oferecer-nos motivação e parece ter uma utilidade adaptativa na nossa vida.
Mas será que a autocrítica nos torna melhores e contribui para o nosso desenvolvimento?
Vamos pensar na forma como nos sentimos quando nos criticamos — “Sou mesmo incompetente, nunca vou conseguir fazer este trabalho” — depois de dizeres isto a ti próprio os sentimentos que aparecem relacionam-se com compreensão, motivação, produtividade ou criatividade? Se estás com dúvidas em responder a esta pergunta, pensa se seria desta forma que apoiarias a pessoa mais especial da tua vida. E aqui a resposta parece mais óbvia. Não! A verdade é que a autocrítica pode despertar sentimentos de inferioridade, inadequação e insegurança, que conduzem muitas vezes a problemas de saúde mental como a depressão. Além disso, uma mente crítica aumenta a probabilidade de nos envolvermos em comportamentos de procrastinação, aumenta a nossa intolerância à incerteza, diminui a nossa disposição para correr riscos ou aceitar desafios e constrói autoconceitos negativos.
Então qual é a alternativa para uma mente crítica? É uma mente compassiva.
A autocompaixão como força da mudança
Muitas vezes acreditamos que se formos demasiado bondosos e compreensivos connosco, vamos tornar-nos seres humanos irresponsáveis, desorganizados, sem objetivos e descomprometidos com o que realmente é importante para nós. Daí alimentarmos uma voz autocrítica, como falamos até agora.
No entanto, a autocompaixão não significa assumirmos uma postura passiva perante aquilo que nos acontece. Pelo contrário, exige que de forma consciente reparemos no que está a acontecer, reconhecendo o que estamos a sentir e dando espaço para que esses sentimentos estejam presentes, sem criticar e sem julgar. Além disso, a autocompaixão envolve a consciência de que todos os seres humanos sofrem e erram ao longo da vida e, por isso, outras pessoas sentem exatamente as mesmas coisas em situações semelhantes à nossa. Por fim, uma mente compassiva é uma mente que responde de uma forma benevolente, carinhosa e compreensiva, assumindo a dificuldade de viver determinadas experiências e focando-se nas nossas necessidades.
Quando cometeres um erro ou sentires que falhaste, lembra-te que esse momento é também uma oportunidade de construíres uma relação saudável contigo. Podes começar por:
- Reparar que te estás a criticar;
- Não te critiques por te estares a criticar — reconhece a função da autocrítica na tua vida, e cria espaço para que exista outra resposta, uma resposta mais compassiva;
- Conversa contigo como se estivesses a conversar com uma pessoa muito querida e especial para ti ou imagina o que te diria essa pessoa;
- Pergunta-te: O que é que eu preciso agora?
A relação que temos connosco é a relação mais importante das nossas vidas, cuida dela com amor!