A solidão do Natal a pedir para ser ouvida
O Natal pode assumir tantas formas, algumas muito bonitas, outras mais dolorosas. Pode ser um abraço quentinho, uma casa onde somos vistos e acolhidos, uma mesa preenchida de histórias e de conexão. Ou pode ser um lugar onde sentimos mais frio do que lá fora, olhares que não nos veem e encontros vazios, uma solidão antiga que nos relembra da desconexão que outrora sentimos.
Podemos falar, então, da solidão que aparece na ausência física, ou da solidão que aparece numa casa muito cheia de pessoas que não nos conhecem verdadeiramente. Pode ser a solidão de recordar família que já não está cá e que deixou um vazio muito grande. Ou a solidão de perceber que há uma diferença entre a família calorosa e perfeita pintada pela sociedade, da família real.
Independentemente da forma que a solidão assume, quando ela se apresenta, mais do que procurar encontros com outras pessoas, podemos marcar primeiro um encontro connosco.
Se olharmos para dentro e se a soubermos ouvir, a solidão pode desvendar mensagens muito importantes. Não a quero romantizar, sei que a solidão pode doer muito, mas também pode informar tanto! A solidão pode significar desconexão, mas certamente estamos todos conectados quando a sentimos, já que é uma experiência tão universal e humana. Antes de procurarmos tapá-la ou sará-la, podemos procurar ouvi-la.
O que é que esta solidão te diz sobre ti e as dores que carregas contigo?
O que é que esta solidão te diz sobre os outros e as dores que carregam com eles?
O que é que esta solidão te diz sobre o que precisas nesta época?
Ouve-a, se possível, com curiosidade. Deixa que ela te guie nas suas necessidades. E deixa que as tuas escolhas se assentem nelas. De certa forma, a solidão precisa de ti e tu precisas dela. Ela precisa que a ouças, que a ampares (para depois saberes também como procurar amparo nos outros) e tu precisas que ela te alerte para as necessidades relacionais que tens, e que não estão a ser cumpridas.
Que tipo de conexões procuras? De que forma podes ir ao encontro dessas conexões?
Que tipo de limites vais precisar de traçar com as pessoas que vão passar esta época contigo, de forma a protegeres-te?
O que é que precisas para te sentires seguro/a? Nutrido/a?
A solidão carrega consigo tantos significados e, por isso, há também tantas respostas para ela. Essas respostas podem estar na companhia de pessoas que nos veem de verdade, lugares que nos fazem sentir em casa, músicas e poemas que nos representam e acolhem ou então, neste ato tão cheio de amor que é disponibilizarmo-nos para olhar para dentro, e só ouvir o que se passa por lá.
O ano é novo, mas a sensação de vazio e insuficiência é a mesma
Novo ano, expectativas renovadas de um novo “eu”. Mais inteligente, desportista, saudável, sociável, enfim, simplesmente melhor. Um eu melhor.
Queremos tanto criar uma versão melhorada de quem somos, queremos tanto encher páginas de objetivos e conquistas para o próximo ano, que nem nos apercebemos que, às vezes, essa busca incessante vem para preencher um lugar de vazio e insuficiência. E assim enchemos a vida — de objetivos, conquistas, compras, viagens, desafios — de ruído.
Não é que haja um problema em procurarmos desenvolvermo-nos enquanto pessoas. O problema é que, tantas vezes, esse “caminho de desenvolvimento” vai no sentido contrário de quem somos. E as nossas “metas de desenvolvimento” passam a estar associadas a conquistas externas, em vez de necessidades internas.
Quantas vezes esses objetivos de novo ano, não estão a cumprir expectativas indiretamente impostas — pela sociedade, pelos amigos, pelos colegas, pelos pais? Ou então a ser motivados por um lado nosso exigente e perfecionista? Ou simplesmente a aliviar uma sensação, muitas vezes inconsciente, de insuficiência?
Acreditamos que temos de ser sempre mais, mesmo que isso nos afaste cada vez mais de nós. E assim perdemos o contacto com a nossa intuição, valores e necessidades autênticas.
Mais uma vez, para nos podermos conectar com a nossa intuição, podemos sempre começar por olhar para dentro e ouvir.
De onde vem esta vontade de conquistar mais?
Se eu não conseguir alcançar tais objetivos, o que é que vou sentir?
Podemos aprender a estar também com o vazio, ou com a sensação de insuficiência que surgem quando achamos que não estamos a conquistar tanto quanto devíamos. Aprender a identificar esses sentimentos, estar com eles, e perceber o que é que eles precisam de nós. Talvez assim, com essa pausa para realmente integrar as feridas que estão connosco, consigamos fazer escolhas que nos são mais verdadeiras.
Esta sensação de insuficiência está na minha vida há quanto tempo?
O que é que ela precisa de mim?
As nossas emoções não têm de nos comandar, mas podem, sem dúvida, guiar. Quando aprendemos a ouvir as nossas emoções, aprendemos também a intuir as nossas escolhas.
O que é que me faz sentir vivo/a, enérgico/a, curioso/a?
O que é que me faz sentir calmo/a, tranquilo/a, presente, nutrido/a?
E como pode a minha vida abarcar mais espaço para isso?
Acredito que, raramente, as respostas que procuramos se relacionem com mais quantidade — mais trabalho, mais projetos, mais formações, mais viagens, mais eventos. Mas sim com a qualidade dos nossos dias e com a forma como esses dias nutrem as nossas necessidades pessoais, profissionais, relacionais.
O natal e o ano novo podem, de facto, trazer experiências emocionais desafiantes, como a solidão, o vazio, a sensação de insuficiência. E, infelizmente, enquanto sociedade ainda olhamos para as emoções como uma chatice, uma dor que está ali a incomodar. Então, naturalmente, arranjamos formas variadas e até criativas de lhes fazermos face, que são, nada mais, nada menos, do que formas de supressão emocional. Queixámo-nos da angústia sem prestar atenção ao propósito dela, ignorámos as sensações viscerais que determinados contextos nos trazem, racionalizamos as nossas decisões, bloqueamos o sentir com qualquer distração que tenhamos à mão.
Ninguém nos ensina a arte de ouvir o que acontece dentro de nós e de integrar essas emoções que são, na verdade, parte fundamental de quem somos.
Quem diria, que a solidão que se possa sentir no natal, contem em si, as respostas de que precisamos para nos voltarmos a conectar (connosco e com os outros).
Quem diria, que a sensação de não estar a ser suficiente, de que toda a gente está a fazer mais, contem em si, uma necessidade de ser ouvida, escutada, acolhida. Para que não tenhamos de continuar a correr e a alcançar mais e mais de forma automática e inconsciente.
Sentir estas emoções em épocas de celebração não é, de todo, sinal de que estamos a falhar. Emoção é informação. Emoção é intuição. Emoção é direção.
Não há caminho de autenticidade e de liberdade que não passe por aprendermos a integrar as nossas emoções. Em piloto automático, as nossas necessidades mais genuínas não são ouvidas nem reconhecidas. E, se não sabemos quais são as nossas verdadeiras necessidades, então não somos livres.
Experimenta a vida das formas que te fizerem sentido, continua a crescer na direção da autenticidade, “e os passos que deres, (…) dá-os em liberdade!”