De todas as “síndromes” por aí, a síndrome de impostor é sem dúvida uma daquelas que mais me entra no consultório. É um dos assuntos mais abordados em consulta e uma queixa estranhamente comum.
Dada a elevada prevalência deste tema na minha prática, comecei a questionar-me sobre a origem deste problema. O que é que faz com que tantas pessoas se sintam impostoras ou uma fraude nas suas vidas?
Estereotipadamente, as pessoas que com mais frequência me dizem sofrer deste problema são jovens adultos, sendo que os “sintomas” ocorrem principalmente em contexto profissional. Mas algo me diz que não se restringirá a este contexto.
Antes de mais, vamos brevemente definir o que é isto da “síndrome de impostor”.
Não existe (e ainda bem) qualquer tipo de diagnóstico estabelecido para esta “síndrome”. Por isso, a definição que farei aqui é uma definição baseada sobretudo nos relatos que vou ouvindo dos meus pacientes.
As pessoas que sofrem desta síndrome veem-se a si mesmas como uma fraude e vivem com um temor constante de, a qualquer momento, poderem ser “desmascaradas”.
Na sua perceção, conseguiram convencer toda a gente que são algo que não são (e.g., pessoas extremamente competentes, capazes, inteligentes) e, por isso, vivem com o receio de que os outros percebam que afinal não são tão boas quanto pensavam, ou até, boas de todo.
Encontramos estas pessoas em posições profissionais bastante favoráveis, algumas com cargos de elevada responsabilidade e, no geral, são pessoas altamente respeitadas e admiradas. A admiração traz uma outra faceta desta dita “síndrome”. A incapacidade em acomodar o elogio. O elogio parece ter um efeito paradoxal. O elogio exacerba o medo de ser descoberto e parece aumentar a distância entre o que os outros veem e a forma como a pessoa se vê a si própria.
Dada a crença de que a pessoa que está a ser elogiada, na verdade, não existe, o elogio não tem “onde se agarrar”. Pelo contrário, o elogio apenas vem comprovar que se está a ser realmente eficaz no ato de enganar o outro. Toda esta dinâmica interna exacerba a sensação de ser um embuste e o medo de ser descoberto. Surgem pensamentos como “continuo a conseguir enganá-los sobre as minhas capacidades”, “isto algum dia vai acabar”, “eventualmente vão descobrir que se enganaram a meu respeito”, “estou a elevar a expectativa apenas para um dia descobrirem que sou uma grande fraude”, entre muitos outros.
É um fenómeno bastante curioso. As mesmas pessoas que investem imensa energia para serem reconhecidas, gostadas e admiradas, ficam extremamente desconfortáveis quando efetivamente o são.
Mas então o que explica isto?
As razões serão certamente múltiplas e as que vou colocar aqui surgem-me após algum pensamento dedicado ao assunto e como resultado das múltiplas histórias de vida que tenho o privilégio de acompanhar. Pode fazer-vos todo sentido ou não fazer sentido nenhum. Sintam-se à vontade para levantar outras hipóteses ou até mesmo para discordar por completo.
A meu ver, síndrome do impostor é apenas um nome mais trendy para algo que já é discutido há décadas na psicologia: a diferença entre o self real e o self ideal.
O ressugirmento deste tema, embora com outra roupagem, talvez signifique que ele esteja mais presente e atual do que nunca.
O self real corresponde ao nosso “eu” mais autêntico, espontâneo e genuíno. Trata-se de quem somos verdadeiramente. O self ideal, ou self falso segundo Donald Winnicott, é o “eu” idealizado que nós gostaríamos de ser e atingir, baseando-se sempre no “eu” que tivemos algum dia de ser e no “eu” que nos é e foi exigido. Frequentemente, corresponde a uma idealização que está bastante longe da realidade, com expectativas de comportamento, postura e atitudes muito elevadas e, quase sempre, inatingíveis.
Acredito que todos nós tenhamos, em certo grau, um self ideal e um self falso. Seria fantasioso acreditar que podemos ser 100% autênticos em todas as nossas relações e contextos. No entanto, enquanto para alguns de nós a distância entre o self real e o self falso é curta, para outros, é bastante marcada.
A “síndrome do impostor” consiste, portanto, na vida ancorada maioritariamente no self falso ou ideal.
Este fenómeno tem origem na infância (como não poderia deixar de ser). É provável que algumas das pessoas que vivam com esta “síndrome” tenham sido crianças que viveram num estado constante de avaliação, em que o comportamento, atitudes e emoções eram avaliadas como desejáveis ou indesejáveis. Quando eram desejáveis pelas figuras primárias (normalmente, pais) a criança recebia elogios, admiração e, no fundo, amor. Quando eram indesejáveis surgia a punição. Desta forma, a criança aprende a rejeitar partes do seu self: aquelas que lhe trazem rejeição ou abandono. “Tenho de ser o que os meus pais querem/precisam que eu seja”. Está então construído o self falso/ideal.
Algumas crianças, hoje adultos, foram amadas não pelas crianças que eram mas sim pela função que cumpriam.
Estas crianças foram instrumentos usados pelo narcisismo dos próprios pais. Para simplificar, deixo-vos a situação clássica onde este fenómeno se espelha: toda a gente conhece algum pai/mãe para quem o sucesso escolar dos filhos não é fruto do mérito dos próprios filhos, mas sim dos pais. O foco sai dos filhos para ser colocado nos pais. O foco deixa de ser o mérito e trabalho dos filhos, e passa a ser a preocupação, atenção, cuidado e até, inteligência, dos próprios pais. No fundo, transforma-se “o meu filho é um ótimo aluno” em “eu sou um pai mesmo espetacular, o melhor”. Desta forma, os filhos tornam-se bonitos “adornos” que servem para enaltecer a grandiosidade dos seus pais.
Como consequência, surge a necessidade de estar em performance constante. Há que desempenhar um papel para obterem esse tão fundamental apego. Serem quem são não é suficiente, muito menos desejável.
Contrariamente ao que se possa imaginar, muitas dessas crianças viveram num ambiente de constante elogio. Elogio esse que significa constante avaliação.
Não é, por isso, difícil de imaginar que uma criança que tenha vivido nestas condições sinta a necessidade de recorrer a um self falso para funcionar em relação com outras pessoas. O seu self real nunca foi suficiente. Vai começar a ser agora?
Esta é a perspetiva desenvolvimental e individual.
A ela, juntamos o facto de vivermos numa sociedade cada vez mais individualizada, que nos estimula a nos tornarmos na “melhor versão de nós próprios” (acabo de revirar os olhos enquanto escrevo) e a nos vendermos constantemente como a “última bolacha do pacote”.
Já não há lugar para sermos, novamente nas palavras de Donald Winnicott, “suficientemente bons”.
Não. Nem pensar. Temos de ser os melhores. Sempre. E a necessidade de sermos sempre os melhores tem como consequência a competição constante. E para isso precisamos necessariamente de recorrer ao nosso self ideal/falso. Aquele que foi treinado para sobreviver a qualquer avaliação, para conseguir o amor e a admiração dos outros.
O problema surge quando chegamos a casa. Esgotados devido ao facto de termos passado o dia inteiro a desempenhar um papel. Com frequência, as pessoas sentem que vivem uma vida vazia e artificial. Não conseguem sentir-se realizados. Não se cumprem. Vivem uma vida afastada da expressão autêntica das suas possibilidades.
O quão bom seria se vivêssemos numa sociedade em que nos propuséssemos apenas a ser “suficientemente bons”. Aposto que alguns de vocês, enquanto leram esta frase, deixaram sair o ar dos pulmões.
Todos estes fatores, sociais e individuais promovem a “síndrome do impostor”. Acredito, no entanto, que os fatores individuais tenham um maior peso que os sociais. Pessoas com histórias como as que descrevi acima, serão mais vulneráveis e com maior probabilidade sofrerão com esta síndrome, independentemente do contexto onde se insiram. Por outro lado, pessoas que foram, na maior parte do tempo, apreciadas por quem são terão mais facilidade em recorrerem ao seu self real.
Agora chega a parte do artigo em que dou “5 dicas IMBATÍVEIS para acabar JÁ com a síndrome do impostor”.
Não existem. Para o fazer teria também eu de recorrer ao meu self falso. Não é para isso que estou aqui.
Conheçam a vossa história.
Saibam como foi para vocês crescer e o que precisaram de fazer pela admiração das vossas figuras primárias. Estejam atentos nas vossas vidas aos momentos em que sentem necessidade de recorrer ao self falso/ideal. Escolham contextos, na medida do possível, que permitam e estimulem a vossa autenticidade.
Mas saibam também que, deixar de recorrer tanto ao self falso não traz só coisas boas. Ele cumpre uma função. Dá-vos, provavelmente, segurança nas vossas relações. Não devemos nem podemos arrancar partes de nós sem entendermos o propósito que elas cumprem e sem, obrigatoriamente, darmos algo de volta.
E como não poderia deixar de ser, o mesmo conselho de sempre, e o único que de facto funciona: façam terapia. Se esta “síndrome do impostor” vos traz sofrimento, peçam ajuda. Sentem-se à frente de um profissional que vos ajude a fazer esse caminho. Também nessa relação, e especialmente nessa, o vosso self falso aparecerá. E aqui, com segurança e calor, será identificado, acolhido e compreendido. Ao longo do tempo vão sentir, sem darem conta, que ele vai aparecendo cada vez menos na consulta. Como por magia, vão perceber que, também fora do consultório ele tem surgido menos. Vão começar, inclusivamente, a sentir que têm algum controlo e que começam a decidir deliberadamente quando é que ele deve ou não dar de si. Sim, porque mais uma vez, o self falso não é uma aberração patológica, ele cumpre uma função que é, certamente, muito importante em vários contextos. Nas restantes situações, vão sentir-se mais autênticos, mais satisfeitos com a vossa vida e as vossas relações.
E tudo começa com um pedido de ajuda!