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Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou
—Sei que não vou por aí !
Excerto do Cântico Negro de José Régio
A tomada de decisão é, por natureza, um ato que pressupõe um movimento: ir, fazer, agir. No entanto, raramente esse movimento é acompanhado de uma certeza absoluta. Pelo contrário, o verbo de ação “ir” ou “fazer” frequentemente vê-se emparelhado com a dúvida existencial do “não sei”. Não sei para onde vou. Não sei o que fazer. O que parece ser uma simples escolha do quotidiano é, na verdade, um reflexo das nossas dúvidas profundas, da nossa constante busca por sentido num mundo repleto de incertezas. Essas perguntas, aparentemente simples, ecoam nas nossas mentes como uma busca filosófica por respostas que parece que teimam em não chegar. Na filosofia, a dúvida é entendida como um ponto de partida para a reflexão e a compreensão. Sócrates, por exemplo, encontrava nas perguntas a chave para o saber. O não saber é, portanto, um motor da ação, da busca, do ir, do fazer. Mas como agir quando o caminho à frente permanece incerto?
Todos os dias, tomamos decisões. Algumas são tão pequenas que mal pensamos nelas, como o que comer ao pequeno-almoço. Outras são tão importantes que olhamos para elas como sendo definidoras da nossa vida, como que curso tirar, aceitar um novo emprego ou decidir como gastar ou poupar o nosso dinheiro. E algumas decisões podem ter consequências de vida ou morte, como decidir tomar uma vacina ou evacuar numa zona que está com muita atividade sísmica. Ao longo das décadas, filmes, poemas e disciplinas como a filosofia, economia e psicologia exploraram o impacto das decisões nas nossas vidas. Cada forma de arte oferece uma visão única sobre o ato de decidir. Em especial, a psicologia e a economia comportamental – tem-se dedicado a compreender como tomamos decisões, porque erramos tantas vezes e de que forma pequenas mudanças na apresentação das escolhas podem influenciar significativamente as decisões das pessoas. Algumas investigações nesse campo foram premiadas com o Nobel de Economia, como os trabalhos de Kahneman e Tversky (Pensar, depressa e devagar, 2011) e Thaler (Nudge, 2018).
Então, o que é que os investigadores descobriram sobre a tomada de decisão? Porque é que tomamos decisões erradas? Será que isso acontece por falta de informação ou, pelo contrário, por estarmos sobrecarregadas com excesso de dados? E, mais importante ainda, como podem os resultados destas investigações ser aplicados de forma eficaz no mundo real para melhorar a vida das pessoas? Até agora podem estar a ler este texto à procura de uma solução rápida, uma espécie de "cura mágica" que vos permita tomar melhores decisões com base na ciência do comportamento. No entanto, o conceito de "melhor" pode ser subjetivo. Afinal, o que distingue uma má decisão de uma boa decisão? Como podemos estabelecer critérios para avaliar a qualidade das nossas escolhas?
O impacto psicológico da tomada de decisão
Diferentes grupos de pessoas e investigadores definem boas e más decisões de formas distintas. Para alguns, uma boa decisão é simplesmente aquela que, com toda a informação disponível, resulta na escolha computacionalmente mais otimizada. Se fôssemos máquinas, esse raciocínio bastaria—mas os seres humanos não operam como computadores. Muitas vezes, tomamos decisões que, do ponto de vista puramente racional, podem parecer subótimas, mas que fazem sentido dentro do nosso contexto emocional e social. Uma boa decisão, então, não é necessariamente aquela que leva ao melhor resultado absoluto, mas sim aquela que é tomada com base na melhor utilização possível da informação disponível no momento. Em contraste, uma má decisão tende a ser mais fácil de identificar: ocorre quando há um erro claro na interpretação ou no processamento da informação, levando a uma falha no raciocínio. No entanto, há um terceiro tipo de decisão—e talvez o mais comum—para o qual simplesmente não existe uma resposta certa ou errada. São aquelas escolhas em que os fatores envolvidos não permitem um cálculo objetivo. Perante estas decisões ficamos presos, paralisados. Quando há múltiplos caminhos possíveis, a nossa mente entra em sobrecarga – e, em vez de avançarmos, congelamos. A ansiedade que a indefinição provoca pode ser sufocante. Ficamos presos num ciclo de dúvidas, como se estivéssemos à espera de uma certeza que nunca chega. Nestes casos a chave pode não estar em eliminar a incerteza, mas em aprender a aceitá-la. Em vez de tentarmos evitar o medo de falhar, devemos reconhecê-lo e seguir em frente apesar dele. Aceitar a nossa vulnerabilidade não nos torna fracos – pelo contrário, dá-nos liberdade para agir sem precisar da garantia de um resultado perfeito. O erro, então, não está na decisão em si, mas na recusa em decidir. Ao tentar evitar a vulnerabilidade, criamos a paralisia. A solução talvez seja mais simples do que parece: parar de procurar garantias e, em vez disso, dizer a nós mesmos que vou dar o meu melhor. Porque no final, não é sobre encontrar a escolha perfeita. É sobre ter coragem para escolher.
O livre-arbítrio é, para muitos, a essência da experiência humana—acreditamos que escolhemos livremente, que cada decisão reflete a nossa vontade e individualidade. No entanto, a psicologia comportamental sugere uma perspetiva diferente: as nossas escolhas não são tão livres quanto parecem. Elas são moldadas pelo ambiente, pelas experiências passadas e pelos estímulos que recebemos ao longo da vida. Cada decisão que tomamos carrega um rasto de condicionamentos, de reforços positivos e negativos que, sem nos darmos conta, limitam e orientam as nossas opções. No fundo, escolhemos dentro dos limites do que aprendemos a considerar possível. Por exemplo, no livro Economia dos Pobres, Abhijit Banerjee e Esther Duflo mostram como o meio social pode restringir as escolhas à partida.
Para quem tem poucos recursos, o longo prazo nem sempre é uma consideração realista – a sobrevivência imediata dita as opções. O que para uns é uma decisão óbvia, para outros pode nem sequer entrar no campo das possibilidades.
Mas então o que leva realmente alguém a tomar uma boa ou má decisão? Que variáveis moldam esse processo? A investigação sobre tomada de decisão abrange múltiplas abordagens, mas alguns fatores são especialmente relevantes. A maneira como a informação é apresentada, o impacto das emoções, a percepção do tempo e o grau de confiança nos dados influenciam diretamente as nossas escolhas.
O impacto das emoções da tomada de decisão
As emoções desempenham um papel crucial na tomada de decisão, muitas vezes sobrepondo-se à lógica. Vários autores sugerem que o medo e a ansiedade podem levar-nos a evitar decisões que, racionalmente, seriam benéficas. Um dos vieses mais estudados é a aversão à perda: as pessoas sentem o impacto de perder algo com mais intensidade do que o prazer de ganhar algo de valor equivalente. Isto explica, por exemplo, porque é tão difícil mudar de emprego ou arriscar numa nova carreira. Quanto mais segura for a posição atual, maior terá de ser o salário ou o benefício percebido para justificar o risco da mudança. A incerteza pesa mais do que a lógica matemática da decisão. Outro fator emocional que distorce a nossa racionalidade é o desconto temporal hiperbólico. Tendemos a sobrevalorizar recompensas imediatas e desvalorizar ganhos futuros, o que explica porque preferimos um pequeno aumento salarial agora a um investimento num projeto de longo prazo que pode trazer muito mais retorno. De acordo com os estudos de António Damásio (e.g., O Erro de Descartes), as respostas emocionais ajudam a avaliar riscos e a antecipar consequências, sendo fundamentais para escolhas mais adaptativas. As emoções não só influenciam o nosso julgamento, como por vezes podem ser mais eficazes do que a lógica na gestão da incerteza e do risco.
Percepção Temporal e Tomada de Decisão
A dificuldade de tomar decisões sobre eventos distantes no tempo é um problema conhecido na psicologia. Eventos futuros parecem mais abstratos do que eventos próximos, tornando difícil mobilizar ações imediatas para problemas de longo prazo, como por exemplo as mudanças climáticas ou quando saímos da universidade e temos que pensar na reforma. Uma estratégia para reduzir essa abstração é a personalização da informação. Alguns investigadores realizaram experiências onde mostram imagens envelhecidas dos participantes para ajudá-los a visualizar o seu futuro. Esse simples exercício aumentou a propensão das pessoas a poupar para a reforma (ver trabalhos de Hal Hershfield). Da mesma forma, outros investigadores têm argumentado que visualizações que mostram impactos futuros concretos, como projeções de inundações em bairros específicos, podem ajudar na aceitação de medidas preventivas, como a aquisição de seguros contra cheias. Ao tornar o futuro mais tangível, essas estratégias ajudam a diminuir a lacuna entre as decisões presentes e as suas consequências a longo prazo.
O efeito da pressão do tempo no processo da tomada de decisão
A pressão do tempo molda profundamente a nossa capacidade de tomar decisões. Quando o tempo escasseia, recorremos à intuição, confiando no Sistema 1, descrito por alguns investigadores como rápido e automático. Em situações familiares, esta abordagem pode ser eficaz, mas em contextos complexos, pode gerar erros previsíveis. O Sistema 2, mais deliberado e analítico, requer esforço cognitivo e tempo para avaliar opções e reduzir vieses cognitivos. No entanto, a forma como percecionamos a urgência de uma situação pode influenciar diretamente a rapidez com que decidimos. As pessoas nem sempre percebem até que ponto essa pressão pode levá-las a agir impulsivamente, sem refletir sobre alternativas. Mesmo uma breve pausa – 10 ou 30 segundos – pode ser suficiente para evitar um erro. As heurísticas são mecanismos cognitivos que permitem tomar decisões rapidamente sem considerar todas as informações disponíveis. Embora sejam úteis em muitas situações do nosso dia-a-dia, também podem levar a vieses sistemáticos e erros de julgamento. A heurística da disponibilidade, por exemplo, leva-nos a sobrevalorizar informações que nos vêm à mente com facilidade, como eventos recentes ou experiências pessoais marcantes. Por exemplo, após vermos várias notícias sobre acidentes de avião, podemos sobrestimar o risco de voar, ignorando estatísticas que mostram que é um dos meios de transporte mais seguros. Já a heurística da representatividade faz-nos categorizar eventos com base em padrões familiares, ignorando probabilidades reais. Um exemplo comum é acreditar que alguém que come alimentos orgânicos deve necessariamente ter um estilo de vida saudável, sem considerar outros hábitos que possam influenciar a sua saúde. Ao longo da evolução humana, desenvolvemos a capacidade de tomar decisões rápidas, que, de um modo geral, têm sido benéficas para nós. No entanto, atualmente vivemos num mundo muito mais complexo, onde enfrentamos desafios para os quais não evoluímos naturalmente, como a necessidade de tomar decisões complexas. Consequentemente, a nossa intuição nem sempre nos conduz às melhores escolhas.
No livro Blink: The Power of Thinking Without Thinking Malcolm Gladwell, explora como decisões intuitivas podem ser vantajosas para especialistas que acumulam anos de experiência, ilustra também o poder da mente inconsciente e a sua rapidez em fazer julgamentos precisos. No entanto, alerta para os potenciais perigos dos julgamentos rápidos e como estes podem levar a preconceitos e erros. Os trabalhos de Kahneman e Tversky demonstraram que, em contextos de incerteza, a intuição pode levar-nos a sobrestimar riscos. Estes autores descrevem como as nossas decisões nem sempre seguem a lógica. Um exemplo disso é a aversão à perda, mencionada no início deste artigo. Estes trabalhos demonstraram também que sobrestimamos a probabilidade de eventos raros, como desastres naturais ou ganhar a lotaria, e subestimamos probabilidades elevadas, como a eficácia de uma vacina. Assim, jogamos na lotaria convencidos de que podemos ganhar, mas hesitamos em tomar uma vacina devido à pequena possibilidade de falha.
O modo como uma situação é enquadrada – de forma positiva ou negativa – influencia significativamente as nossas escolhas. Apresentar que um tratamento médico "salva 90% dos pacientes" parece mais eficaz do que um que "tem uma taxa de mortalidade de 10%", apesar de ser exatamente a mesma coisa. Isto reflete não só uma dificuldade em interpretar estatísticas, mas também um instinto humano de evitar riscos percebidos. Dados estatísticos mal interpretados podem levar a escolhas erradas, pois a maioria das pessoas tem dificuldades em compreender probabilidades e riscos de forma objetiva. No mundo moderno, onde a velocidade é incentivada e a informação nem sempre é clara ou acessível, reconhecer os limites da intuição e compreender os vieses cognitivos que influenciam as decisões pode ser essencial para evitar erros e melhorar a qualidade das nossas escolhas. Dado o impacto potencial dessas interpretações equivocadas, é essencial que as visualizações dos dados sejam testadas e validadas antes de serem amplamente adotadas, especialmente em cenários críticos.
O Paradoxo da Escolha e o Excesso de Informação
A internet e o desenvolvimento da era digital trouxe um acesso imediato a uma enorme quantidade de informações, mas isso nem sempre facilita a tomada de decisões. Schwartz (2004), em O Paradoxo da Escolha, argumenta que um excesso de opções pode gerar sobrecarga cognitiva, levando à insatisfação com a escolha final. Além disso, a procura por informações reforça frequentemente vieses cognitivos, pois tendemos a procurar dados que confirmam as nossas crenças preexistentes (viés de confirmação), tornando difícil distinguir entre informações confiáveis e desinformação. Vivemos num mundo onde a abundância de escolhas e informação deveria facilitar a nossa vida, mas frequentemente causa o efeito oposto. No supermercado, escolher um simples iogurte pode ser um desafio com dezenas de opções. No trabalho, o excesso de ferramentas, estratégias e prioridades pode levar à paralisia decisória e à sensação de constante sobrecarga. A solução não está em reduzir drasticamente as opções, mas em estruturá-las melhor. Por exemplo, dashboards organizados ajudam a priorizar tarefas no trabalho sem sobrecarga de informação, enquanto, no dia a dia, aplicações como a Netflix sugerem conteúdos com base em preferências anteriores. Devo destacar que a confiança nas fontes de informação tornou-se um novo desafio. Muitas vezes, as pessoas confiam mais em informações que se alinham com as suas crenças, mesmo quando não são as mais precisas. Portanto, cada vez mais devemo-nos educar e a quem está à nossa volta para avaliar a confiabilidade das fontes. Afinal, mais informação e mais opções só são úteis quando sabemos geri-las corretamente.
O Papel da Inteligência Artificial (IA) na Tomada de Decisão
É quase impossível falarmos sobre o desenvolvimento da era digital e não falarmos sobre o papel da IA na tomada de decisões. No entanto, existe um ceticismo generalizado em relação à delegação de decisões importantes a algoritmos, sobretudo porque os sistemas de IA podem reproduzir preconceitos humanos se forem treinados com dados enviesados. O’Neil (2016), em Weapons of Math Destruction, alerta que algoritmos podem perpetuar desigualdades se forem utilizados sem transparência e monitoramento crítico. Não podemos deixar de também falar da parte positiva e de como o uso da IA pode ser uma ferramenta poderosa para filtrar informações e estruturar decisões, desde que seja desenvolvida com diversidade de perspectivas e rigor ético. Num futuro próximo, muitas decisões podem ser facilitadas por IA, reduzindo a sobrecarga de informações e auxiliando na escolha de opções mais racionais.
Estratégias para Auxiliar a Tomada de Decisão
- Fazer pausas intencionais – Pausar antes de decidir evita a impulsividade e permite considerar mais variáveis. A intuição e razão não são opostas; o ideal é equilibrá-las.
- Adaptar a profundidade da análise à complexidade da decisão – Decisões simples não exigem o mesmo esforço que decisões mais complexas.
- Praticar a autorreflexão emocional – Reconhecer a influência das emoções no nosso julgamento pode ajudar a tomar decisões mais equilibradas e informadas.
- Explorar dados interativamente – Ferramentas que permitem simular cenários podem ajudar a compreender melhor previsões e incertezas.
- Reconhecer vieses cognitivos – Questionar crenças evita decisões enviesadas.
- Acompanhar o desenvolvimento da IA – Compreender os limites da IA é essencial para decisões informadas.
- Reformulação da informação: Apresentar estatísticas de forma intuitiva facilita a sua interpretação. Aumentar o conhecimento sobre probabilidades e riscos ajuda na tomada de decisões.
- Revisão por pares e simulações: No ambiente corporativo, envolver colegas e testar diferentes cenários pode reduzir erros.
Conclusão
A tomada de decisão é um processo complexo influenciado pela forma como as informações são apresentadas, pelas nossas emoções, pela percepção do tempo e pelo volume de dados disponíveis. A visualização adequada dos dados pode reduzir erros de interpretação, enquanto estratégias para tornar o futuro mais concreto ajudam a lidar com decisões de longo prazo. No entanto, a era digital trouxe desafios como a sobrecarga de informação e a desinformação, tornando essencial desenvolver habilidades críticas de avaliação. A inteligência artificial tem o potencial de facilitar esse processo, desde que seja projetada de maneira ética e transparente.
Num desabafo pessoal, sempre fui fascinada pela complexidade da tomada de decisão. Olhava, com um olhar enternecido, para aqueles para quem parecia tão simples. Mas, como conselho agora, a decisão não deve consumir-nos. Não deve jamais tomar mais de nós do que aquilo que ela é capaz de nos oferecer. Devemos, em primeiro lugar, ser amigos de nós próprios quando tomamos uma decisão, sem nos martirizarmos no processo. Olhemos para os dados e façamos a nossa análise, mas não deixemos de confiar também nas nossas intuições. Pois, embora possamos não saber exatamente para onde vamos, muitas vezes sabemos, sem hesitação, que não queremos ir por ali — e isso, por si só, já é um excelente ponto de partida.